Eu entendo que as pessoas gostem de organização, e incluo-me nesse grupo, mas preocupa-me que as pessoas me perguntem qual a exposição usada numa minha foto, ou me digam que têm de seguir o fotómetro da sua câmara. Afinal, Fotografia não devia rimar com Liberdade? Há, em fotografia, perguntas e afirmações que me deixam irritado. Algumas surgem, recorrente e repetidamente, e não têm, a meu ver, uma resposta plausível, mas continuam a vir à tona, amiúde, sugerindo-me que em tempos de tanta informação disponível, a tendência para se ler as respostas erradas continua a proliferar. Eis algumas das perguntas e afirmações que me preocupam:
A exposição que eu usei para obter a minha fotografia não tem necessariamente de servir para que outra pessoa reproduza a mesma coisa, simplesmente porque as condições podem ser diferentes… e mesmo que o não sejam, nada obriga outras pessoas a usarem os mesmos valores que eu usei. Isso não lhes garante uma foto igual, e nada os obriga a fazerem uma foto idêntica. É verdade que a luz, numa mesma situação, é igual, mas os valores que podem ser usados dependem do que se pretende dizer com a foto. Mais ou menos profundidade de campo, motivos mais ou menos nítidos, tudo se relaciona com a forma como VEMOS o mundo, o interpretamos naquele momento (noutro podemos tomar distintas opções!). Querer resumir tudo isso a uma fórmula numérica, ainda por cima “a minha”, que resulta da minha perspectiva pessoal, é querer “pintar por números”, um tipo de aprendizagem artística em que as pessoas pintam uma tela ou aguarela seguindo os números assinalados nas diferentes áreas da imagem. Eu não quero ensinar Fotografia às pessoas dessa forma, porque tenho demasiado respeito por elas e pela Fotografia. Os valores de uma exposição são, portanto, algo dependente do que se pretende dizer, e, ainda no plano criativo, da escolha que fazemos em termos de uma exposição mais ou menos luminosa. Se eu pretender criar uma imagem dominada por tons escuros, subexposta, nada me impede de o fazer, se essa é a minha visão no momento, mas isso não significa que outros tenham de ter a mesma visão. Por isso mesmo, qualquer valor que eu lhes possa dar é subjectivo, e não representa nada que elas possam traduzir na SUA visão. Já nos chegam, afinal, as infindáveis fotografias todas tiradas dos mesmos pontos, os chamados “hot spots”, por pessoas que tentam copiar o que milhares antes delas fizeram. Se isso é Fotografia… deixem-me ir em busca de qualquer outra coisa para fazer. A segunda questão colocada acima é mais fácil de responder. Quando as pessoas me perguntam que objectivas devem levar para uma saída eu só tenho uma resposta: todas aquelas com que se sentir confortável a fotografar… sem necessariamente fazer figura de burro de carga. Claro que se falarmos de uma actividade específica, como fotografia macro, podemos pensar numa objectiva dita macro, mas até aí existe alguma liberdade de escolha: anéis de expansão, lentes de close up ou uma objectiva não macro mas com excelentes capacidade de closeup. Tudo depende, afinal, do que as pessoas pretendem fazer. Contudo, a minha resposta simples pode ser mais elaborada. E uso o meu exemplo: há duas objectivas que carrego invariavelmente comigo, uma 17-40mm e uma 100-400mm. Com elas e uma reflex APS-C cubro paticamente tudo aquilo que pretendo. Note-se que por causa do factor de ampliação, a minha focal mais longa é semelhante a uma 640mm, e a focal mais curta sobe a 27mm, o que muitos acharão limitado para uma grande-angular. Não tenho problemas com isso, porque não sou grande apreciador de focais muito curtas, e quando preciso de cobrir mais espaço recorro, normalmente à criação de panoramas, que me satisfazem mais do que um fotograma único de uma 17mm. Com duas objectivas apenas cubro, portanto, todas as minhas necessidades, o que me permite viajar leve, um aspecto que acho essencial para fotografar melhor. O meu lema, de facto, normalmente vertido em inglês, é “less gear, more fun”. Há décadas que funciono com esse registo e o facto de ter fotografado alguns milhares de fotos, muitas delas para clientes, sugere que não estou enganado. Uma terceira nota, esta não uma pergunta mas afirmação peremptória, que me faz pasmar é a de que “devo seguir o que o fotómetro me diz”. Fico sempre a pensar por onde é que as pessoas andaram antes de marcarem uma saída comigo. Porque se há algo que não se deve fazer é seguir o que o fotómetro nos diz. Sobretudo se trabalhamos em busca de resultados que escapam ao cinzentismo dessa escolha. Porque o fotómetro, afinal, nada mais faz do que dar-nos uma orientação – mecânica, se quisermos – que devemos depois avaliar inteligentemente para escolhermos a exposição que melhor nos aproxima do que VEMOS, da mensagem que queremos transmitir. Não entender isso leva a problemas que se perpetuam enquanto as pessoas não perceberem todos os elementos da exposição e como eles se relacionam entre si. A técnica, continuo a defender, é a matriz que permite todas as liberdades em fotografia. Sem ela a progressão faz-se erraticamente. Verdade, alguns chamam a isso “fotografia intuitiva”, mas eu chamar-lhe-ia “sorte”, porque continuam a querer esquecer que existe todo um lado mecânico na fotografia cujo controlo efectivo nos encaminha para a meta desejada: uma maior liberdade fotográfica. Infelizmente, o que muitos continuam a seguir são práticas bafientas, que teimam em perpetuar dogmas e ideias erradas, enquanto outros pretendem unicamente saber truques e soluções por medida – como a inerente à pergunta “que exposição usou?” – em cursos e cursinhos que continuam a basear-se nas regras da fotografia – como a famigerada Regra dos Terços – e em conceitos que o tempo se encarregou de provar errados… mas que continuam na cartilha de muitos educadores. Em Fotografia a progressão faz-se pela prática, mas não aquela que leva a repetir os mesmos erros fim-de-semana atrás de fim-de-semana. A progressão, que é sobretudo solitária, no meu entender, faz-se, numa primeira fase, com a prática consciente de exercícios que criam as bases para um entendimento efectivo da exposição, e com a repetição, em jeito de mantra, de muitos desses exercícios.
É isso que tracei num curso que concebi para ser explorado em três meses, se bem que eu aconselhe os participantes a fazerem um intervalo entre os diferentes níveis. O primeiro nível é sobretudo sobre o conhecimento do equipamento usado e a exposição, propondo exercícios para a rápida descoberta de como a controlar, pelo que interessará a qualquer um. Os níveis seguintes avançam para aquilo que eu chamo de Fotografia Contemplativa, e exigem mais dos participantes em termos de imersão total no universo fotográfico. Não são necessariamente o destino de todos os praticantes de fotografia, mas apostam em algo que considero essencial na prática fotográfica: total entrega ao momento do registo, uma forma de estar e sentir que entronca, afinal numa espécie de contemplação do mundo. Sem dogmas, em busca da LIBERDADE que associo à Fotografia. É sobretudo isso que tento explicar às pessoas nas actividades que organizo e neste Curso de Fotografia Contemplativa à distância que qualquer um pode cumprir ao seu próprio ritmo. Mas com muito trabalho, porque só assim se progride em Fotografia. Uma nota final, antes de fechar: a exposição correcta não existe.
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