A foto da paisagem de Sintra que tive a oportunidade de registar encerrou um dia de mais acção, com a fotografia de surf em mente. Dois universos tão distintos, ambos ligados por um elemento: água. Que se celebra a 22 de Março. O panorama da Serra de Sintra que realizei a 21 de Março de 2016, como forma de marcar o arranque da Primavera, tem uma história que merece ser contada, porque mistura múltiplas coisas que concorrem para a produção de melhores fotografias. Trata-se de um momento de sorte, mas de sorte construída por múltiplas experiências e a noção absoluta dos limites e possibilidades de cada momento abertas ao fotógrafo. O dia começou num outro registo, com uma saída para explorar potenciais pontos de fotografia de surf, que são, afinal a maioria das imagens desta nota. Alguns pontos do litoral da Ericeira que sugerem a possibilidade de construção de perspectivas alternativas foram a razão da saída na tarde de 21 de Março de 2016. Uma consulta na web sugeria fracas possibilidades de encontrar surfistas na água, mas de qualquer modo a viagem valeria pela verificação de pontos para visitar mais tarde, ao longo deste ano. Um encontro com uma amiga, na saída de casa, com a costumeira troca de algumas palavras, deixou-me ciene de algo que me escapara: uma tempestade e trovoadas aproximava-se. Era verdade, descobri cerca de 20 minutos depois, quando já na estrada, chuva intensa, granizo de deixar o chão branco e escorregadio, quase me fizeram dar meia-volta e desistir. Mas os sinais de um céu azul a querer rasgar-se na distância da orla costeira, a contrastar com o negrume da estrada interior que percorria, levaram-me a continuar. Afinal, a experiência, sempre ela, diz-me que é durante algumas destas tempestades que se vivem bons momentos fotográficos. Ou no final de algumas delas… De qualquer modo, eis-me numa rápida ronda, batida pela chuva descendo de céus entre o azul e cinza, a percorrer dois potenciais destinos a usar no decorrer dos próximos meses. Dali, e seguindo o chamamento de uma paixão antiga, também, eis-me em Ribeira d’Ilhas em busca de alguns cavaleiros de ondas. Que os há, poucos, numa praia em tons de Primavera, a contrastar com o negrume manchado de nuvens brancas, diáfanas, vogando como caravelas levadas pelo vento, erguendo-se como muralha a Levante. O Sol, esse roda a Sudoeste, já, e abre-me as cores para uma série de imagens de surf que me enchem um pedaço da tarde. Não são excepcionais, mas são um bom treino para o que gosto de fazer: registar picos de acção e aquele momento em que o bailado das ondas se aproxima do final, numa pirueta. Algo que explico no workshop Surf Para Fotógrafos. Uma conversa de minutos com alguns surfistas, em Inglês, continua, depois, numa breve troca de frases que me recordam da língua dinamarquesa, a deles, quando fico ciente das suas origens. O mundo é pequeno, dizem-me, ante esta experiência de encontrar no luso rincão alguém que “arranha” ainda um pouco da nórdica fala. Por troca dizem-me que os companheiros de onda que julgaram serem “locais” são afinal da Suécia, vizinhos do frio Norte em busca da Primavera lusitana. O mundo é mesmo pequeno. O Sol esconde-se por detrás de algumas nuvens e eu acho que o meu dia de surf terminou. Nuvens mais negras acastelam-se a Este e vão enchendo o percurso diante de mim, no regresso a Sintra. Gotículas fazem fila pelo pára-brisas do meu carro abaixo, a fila de carros que a chuva parece engrossar estende-se para diante e para trás. É hora de regresso a casa para muitos. Conduzo e olho o céu, apercebendo-me de que algo mágico pode estar para acontecer, como tenho presenciado noutras alturas. Estou a uma vintena de minutos, se tanto, de casa, mas a luz, coada através de milhentas gotículas de água, convida-me a um desvio. E é isso que faço. Na bifurcação seguinte viro à direita rolando para um dos potenciais palcos do que pode estar para acontecer. É sempre uma escolha difícil, quando temos mais de um ponto que pode dar-nos uma surpresa, e não sabemos qual escolher. Aquela água toda no céu agita-se, desenha curvas, promete momentos que depois o vento leva para outro lugar. Duas linhas de neblina desenham um vértice em torno do Palácio da Pena, ainda escondido na neblina, suaves contornos a marcar a posição do que pode tornar-se eixo da fotografia, se tudo o resto funcionar. Há que escolher, agora, que via tomar. É neste ponto que a fotografia se torna uma espécie de roleta russa. Incapaz de ser ubíquo, tenho de escolher, e rumo a um ponto que conheço de outros dias e experiências e sei me dará uma imagem para marcar o dia. Mas sei que posso estar a perder outra, outras até, e é com essa ansiedade de quem arrisca sem saber se terá um prémio – e sempre ciente de que estará, por certo, a perder outros - que estaciono o quatro rodas na berma da estrada e meto pés ao caminho, pelo carreiro perto, para procurar alguns ângulos para a minha foto. Antevi o enquadramento, a série de fotografias, a construção desse panorama, feito à mão, ao sabor do momento, imaginando-me a seguir a luz nos breves minutos que sei ter para fotografar. Até que a luz chegue onde sei que pode transformar tudo em algo de maravilhoso, espero. É um momento “déjà vu” inúmeras vezes repetido, por vees com um final feliz, outras nem tanto. É esse jogo com a Luz que faz a Fotografia o que ela é. Por vezes uma nuvem menos que passageira deita por terra todos os planos, quando se interpõe entre o Sol e o espaço que aquele iluminará. Nesta viagem para o pôr-do-sol isso sucede muitas vezes, com grupos de gotas de água suspensas na atmosfera a barrarem o caminho à magia da Luz. Resta ao fotógrafo aceitar e seguir em frente. Tentanto de novo, noutro dia. Desta feita, a magia aconteceu. Por breves minutos tudo se conjugou para uma série de boas imagens, umas singulares outras construídas de múltiplos fotogramas, como a apresentada, e que traça uma ampla linha da “Serpente” que a Serra da Lua representa. Ao longo dessa linha alguns elementos chave da História do lugar destacam-se, brevemente tocados pela Luz, numa sucessão de lugares. Do Castelo dos Mouros ao Chalet do Biester ou Seteais, sem esquecer o Palácio do Graal, a Pena, nos píncaros serranos, todos tocados pela suave luz do final de uma tarde que passou da tempestade negra riscada de raios a um delicado anoitecer primaveril. Guardei a câmara e meti o quatro rodas ao caminho. Quase duas horas mais tarde do que inicialmente previsto. Para ver as imagens em tamanho maior leia o meu artigo
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